“Toda historia da sociedade humana até
hoje é a historia da luta de classes”, que nos dias de hoje, se traduz como a
burguesia e proletariado, dois grandes grupos opostos que hoje carregam a
particularidade de simplificar o antagonismo entre eles, mas não é exatamente,
e é ao mesmo tempo exatamente o que queremos falar.
Reconhecemos
a luta de classe como algo central para a nossa organização e compreensão
social, é o nosso sul, mas hoje queremos enegrecer um pouco mais esse
entendimento, queremos dizer porque é necessário nos afirmarmos como o lado
negro da força e não só como proletariado, mas como proletariado que tem
cor.
A
permanência da luta de classe nos sustenta em uma leitura histórica, mas não
pode nos tirar da mente o povo negro como um fator que acirra essa disputa e a
torna com cor para além da classe.
Somos
55% de nossa população, que se escondem nos lugares mais distantes de nossa
cidade e nos empregos invisíveis, somos os corredores que não se vê, somos o
canteiro de obras que atrapalha o trânsito e o percorrer de seus carros, na
esperada da “magnífica copa”, somos as mães de seus filhos e nunca dos nossos,
somos os cachos obrigados a escorrer e nunca permitir a beleza das voltas, somos
os narizes que grandiosamente se espalham pelos nossos rostos e que por vezes
são obrigados a se conter, somos os quadris deselegantes, somos o sinônimo do
ruim do mal cheiro, somos 60,9 % das empregadas domesticas,somos aqueles e
aquelas que o viver é uma historia de resistência.
Mas
e a tal da igualdade, aquela que está no “livro das importância”? Essa daí foi
colocada de goela abaixo, e sem dó, e o que parece é que não vingou. Porque
antes de “sermos miscigenado”, somos uma cor, um cabelo, que chega antes de
tudo, antes de nossa fala, de nosso olhar... Temos um lugar na geografia de
nossas cidades, que não obedece a um critério de igualdade.
E
se essa é a igualdade de que tanto se fala, nós não queremos! Queremos não
senhor! Queremos mesmo é a diferença, o plural, mas nunca o superior, o melhor
o mais.
Nesse
tempo de “igualdades”, de “miscigenação”, de “democracia racial”, vivemos o
tempo de Michele Borges, que afirmou que as médicas cubanas tem cara de
domesticas, vivemos a chance de um adolescente negro ser assassinado de 3,7
vezes maior em comparação com os brancos.
Uma
igualdade, onde a taxa de homicídios de negros é de 36,5 por 100 mil
habitantes, no caso de brancos, a relação é de 15,5 por 100 mil habitantes, e
nas universidades, historicamente construídas para a classe dominante, somos
apenas 8,7 dos estudantes universitários.
Por
isso de nada vale os grandes esforços e estudos para explicar a violência com
suas diferentes escalas, se não olharmos para o nosso passado “obsclaro”, que
nos impôs um desenvolvimento, um bom costume e uma cultura que nunca tiveram
espaços para os nossos orixás, ou para as nossas ladainhas de capoeira.
Nada
adianta enormes estudos e discussões se não percebemos as cores de nossos
presídios, de nossas universidades, de nossos deputados federais, juízes e
médicos. É preciso escutar os sons dos tambores, ver os grafites de nossos
muros, escutar as letras de nossos samba, rep e ladainhas, é preciso escutar
vozes negras que nunca se calaram, precisamos escurecer nossas concepções.
Diferente
dos não negros, temos que nos pensar enquanto corpo e não só enquanto classe. O
mundo não está dado para nós, não temos a cor, o cabelo e o corpo que ele
exige, e os nossos dias são um intenso martírio de nos transformar e esconder o
que somos. Mentimos onde moramos para conseguir emprego, nos transformamos
diariamente, não no branco, porque isso não conseguiríamos, mas no moreno, no
marrom bom bom ou cor de caramelo.
Queremos
mesmo é pluralizar a nossa historia e acabar com a sua palidez, enegrecer os
corpos dos nossos livros de ciências e escurecer nosso heróis e nossas
universidades. Não queremos privilégios, mas o direito da existência do plural,
que historicamente nunca nos foi possível.
Jéssika Rufino